
Trabalhadores organizados da Comboios de Portugal (CP) por meio de uma ampla coligação de 15 associações que reúne desde federações nacionais até associações de trabalhadores, declararam greve de 7 a 14 de maio de 2025. À raiz da paralisação estão reivindicações salariais e laborais profundas: os ferroviários exigem aumentos acima da inflação para repor o poder de compra, a negociação coletiva de reajustes dignos e o cumprimento de um acordo salarial anteriormente negociado.
As negociações com a administração tinham chegado a um acordo histórico de aumentos e valorização das carreiras, mas o velho Estado bloqueou a sua assinatura e a administração burguesa da CP propôs míseros 34€ mensais de aumento, um valor irrisório para as reivindicações reais dos trabalhadores dos comboios. A FECTRANS – federação sindical líder nas negociações – reivindica um valor acima dos 100 euros, necessário inclusive para a CP conseguir reter e atrair novos trabalhadores. Além disso, os trabalhadores reivindicam a implementação integral do Acordo de Reestruturação das Tabelas Salariais já negociado, a abertura de concursos internos para chefias, o reforço das equipas operacionais e horários de trabalho dignos. Segundo os sindicatos e organizações operárias, a empresa padece de “incapacidade de reter os atuais trabalhadores e recrutar novos para preencher lacunas existentes” e é pressionada a cortar salários sob pretexto de “crise”, esboroando as condições de trabalho dos operários.
A mobilização agrupa 15 organizações sindicais do setor ferroviário. Entre elas estão a FECTRANS (Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações – CGTP), a FENTCOP (federação da UGT), o Sindicato Ferroviário (STF/CGTP), a Associação de Chefias Intermédias (ASCEF), o Sindicato Ferroviário de Lisboa (SINFA), além dos sindicatos dos guardas (SNAQ), dos maquinistas (SINTTAV) e da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), entre outros.
Cada entidade soma forças na contestação às atuais políticas da gestão privada da CP, mas os operários em geral compartilham as mesmas reivindicações gerais: melhores salários, cumprimento de acordos negociados e melhoria das condições de trabalho.
A greve estremece todo o país e demonstra o poder da revolta operária
Durante os primeiros dias de greve a circulação ficou completamente paralisada em todo o país: a CP relatou que os comboios estão parados devido à adesão das massas trabalhadoras à luta do proletariado ferroviário. Em 7 de maio, na abertura da greve, não havia comboios Alfa Pendular, Intercidades nem regionais em circulação, obrigando a extensão massiva de reembolsos. O número de passageiros e trabalhadores diretamente atingidos foi elevado, segundo a empresa, e 100% dos turnos de maquinistas, condutores e postos fixos aderiram à greve. Em comunicado, a gestão anti-povo da CP destacou “graves transtornos e impactos” causados aos clientes e recorreu contra a falta de serviços mínimos, buscando atiçar o povo contra os trabalhadores dos comboios.
Os horários da CP foram drasticamente reduzidos. A empresa decidiu autorizar o reembolso integral ou troca de bilhetes comprados para viagens nos dias de greve (todas as classes de serviço). Horários de ligação entre Lisboa e Porto, regionais e suburbanos ficaram cancelados, sem alternativas viáveis. A paralisação afetou não só o transporte de passageiros, mas também a logística de mercadorias associadas à ferrovia (embora o foco principal tenha sido o transporte de pessoas).
As contradições entre a narrativa disseminada pela gestão reacionária da CP e os trabalhadores ferroviários
A administração reacionária da CP, em comunicado, “lamentou” o impacto do conflito nas viagens e enfatizou que já ofereceu “todos os esforços” possíveis, sem, entretanto, dar ouvidos aos clamores dos trabalhadores ferroviários, visando criminalizar suas demandas. Na intenção de causar intriga entre os operários em greve e as massas populares reféns do já sucateado transporte público português, acusou os sindicatos de recusarem diálogo; o ministro reacionário das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, reforçou que o Executivo “é imune a pressões” e afirmou que o velho Estado já negociou “com abertura total”, agora rotulando a justa mobilização da classe operária como “greve política” de caráter eleitoreiro, coadunando com os cabecilhas da CP em condenar as mobilizações dos operários ferroviários.
O discurso oficial caracteriza, como sempre, as reivindicações sindicais como descoladas da realidade fiscal e as oscilações da greve como interrupções de um serviço que, dizem, seria deficitário. Por isso, partem para retórica sobre “responsabilidade” dos trabalhadores, ignorando os argumentos centrais dos operários.
Do lado dos sindicatos, a resposta tem sido uníssona: jamais abrir mão da luta pelo aumento real de salários e pela integridade do acordo salarial assinado. Em comunicado conjunto, os sindicatos afirmaram que o movimento visa não só ganhar poder aquisitivo, mas também “exigir medidas para dar estabilidade e dignidade ao pessoal da CP”. No entanto, ainda que o Governo instrua a administração a cumprir todas as cláusulas do relatório final negociado – um compromisso conjunto que não pode ser alterado por ato de gestão unilateral.
A intensa adesão foi celebrada pelas lideranças: “Assim como no primeiro dia, 100% de participação foi alcançada. Não houve concessões nem do governo nem da CP, então a greve vai continuar”, declarou Júlio Marques (ASCEF) ao monopólio de imprensa Lusa.
Nas redes e manifestações, vários operários ferroviários expressaram indignação com a política de precarização do sector, situando o conflito no contexto mais amplo de luta de classes e resistência ao arrocho neoliberal.
Em vários pontos do país houve protestos improvisados de utentes, em coro com os trabalhadores ou com a reação. No segundo dia de greve, grupos de viajantes indignados e cooptados pela narrativa da reação reuniram-se na estação de Agualva-Cacém (Sintra) e entraram em confronto, levando o velho Estado a accionar as suas forças repressivas.
O episódio ilustra a patranha reacionária fabricada pela CP e endossada pelo velho Estado português, visando colocar massas contra massas: se por um lado os ferroviários recusam vender sua força de trabalho em condições sub-humanas, por outro muitos utentes sentem-se traídos pelo serviço público que lhes foi cobrado. Esse sector das massas é enganado pela CP e pelo velho Estado, que criam uma cortina de fumaça que nubla o reconhecimento de que estes são os causadores do problema.
No debate público, as amplas massas populares reconhecem a importância do serviço, sem negar a legitimidade das reivindicações dos grevistas.
Os desdobramentos para os operários organizados e o caminho a seguir
A greve do maio de 2025 na CP é um termômetro das lutas populares em curso, reflexo mais que visível da acelerada crise de decomposição do imperialismo em ocorrência no mundo todo. Do ponto de vista da classe operária, a paralisação fortalece a mobilização, politização e organização das massas trabalhadoras na greve, numa sequência de movimentações que vieram crescendo dos transportes à educação e saúde, mostrando que só a luta radical barrará as políticas antipovo dos monopólios financeiros e do velho Estado. As greves atuam, neste sentido, como escolas da luta de classes, apontando que as demandas reivindicativas da classe operária e do povo devem, necessariamente, se desenvolver em uma luta política pelo Poder.
Com o governo em gestão e iminente início da farsa eleitoral, a resposta oficial de reprimir greves visa evitar a aceleração do conflito e abafá-lo, mas inflamará ainda mais as tensões entre os monopólios e os operários e povo trabalhador em geral. A crise de decomposição do imperialismo corroerá cada vez mais os salários, impondo cada vez mais a luta para as massas em geral: o tempo que se abre paulatinamente aponta para novas greves sectoriais ou até gerais, na plataforma de reposição de rendimentos pós-inflacionários.
No entanto, a história das lutas em Portugal e no mundo mostram que várias direções sindicais ligadas ao oportunismo, com a radicalização das lutas, curvam a cabeça ao velho Estado e aos seus partidos políticos reunidos dentro e fora da Assembléia da República, vendendo os interesses gerais dos operários em combate por cargos rendosos nas apodrecidas instituições e frações partidárias portuguesas.
Dado isto, a situação política da luta de classes em Portugal clama por um incansável embate pela imposição de uma linha independente, classista e combativa nos sindicatos e organizações operárias, pela intensificação e radicalização das greves, formando cada vez mais a consciência e a organização das massas operárias e populares, reunindo os melhores elementos da classe e do povo para os crescentes e mais avançados combates que se seguirão.