
Este texto é uma adaptação da matéria repercutida pelo jornal revolucionário brasileiro A Nova Democracia.
Um jovem de 30 anos matou a tiro, na noite desta quarta-feira (21/05), dois diplomatas israelitas na capital dos Estados Unidos, Washington. Segundo o manifesto do atirador, Elias Rodriguez, o acto foi uma resposta ao genocídio do povo palestiniano na Faixa de Gaza, apoiado pelo imperialismo. No total, 53.700 palestinianos foram assassinados pelo regime israelita até hoje. Só desde ontem, Israel matou pelo menos 143 pessoas. Horas antes do ataque de Rodriguez, soldados sionistas dispararam contra uma delegação diplomática na Cisjordânia.
Os diplomatas mortos no dia 21/05 eram Yaron Lischinsky, assistente de investigação do departamento político, e Sarah Milgrim, responsável pela organização de viagens a Israel. Ambos saíam de um evento sobre relações diplomáticas entre o Estado sionista e os EUA – relações essas que garantem o financiamento militar e político dos EUA a Israel, sustentando o genocídio – quando foram atingidos pelos disparos.
“Palestina livre”, gritou Elias Rodriguez após os disparos, deixando clara a motivação da ação. Os gritos continuaram enquanto a polícia lhe colocava as algemas. Uma testemunha, entrevistada pela agência Reuters, relatou: “Ele pegou no seu keffiyeh [lenço palestiniano] e disse ‘Fiz isto por Gaza’”.
A ação e a detenção
A chefe do Departamento de Polícia Metropolitana, Pamela Smith, afirmou que a ação foi levada a cabo de forma individual. O autor permaneceu nas imediações do evento até localizar os alvos; após os disparos, livrou-se da arma e entrou no edifício da celebração, onde foi detido pelas autoridades. Rodriguez permanece sob custódia.
O atirador também preparou uma carta pública, que pode ser lida na íntegra no final desta matéria.
Denúncia do genocídio
“No momento desta escrita, o Ministério da Saúde de Gaza regista 53 mil mortos por força traumática, pelo menos 10 mil sob escombros, e quem sabe quantos milhares mais morreram de doenças evitáveis, fome, com dezenas de milhares agora em risco de fome iminente devido ao bloqueio israelita — tudo facilitado pela cumplicidade de governos ocidentais e árabes”, escreveu Rodriguez.
“Quem se opõe ao genocídio satisfaz-se com o argumento de que os perpetradores e cúmplices perderam a sua humanidade. Compreendo essa visão e reconheço o seu valor psicológico. Mas a desumanização já se mostrou chocantemente comum, mundana, profundamente humana. Um perpetrador pode ser um pai amoroso, um filho dedicado, um amigo generoso — e ainda assim ser um monstro.”
O ponto de viragem
Rodriguez refere que a crescente condenação ao Estado sionista de Israel desde 7 de Outubro de 2023 foi um “ponto de viragem”. No entanto, o genocídio prossegue. “A opinião pública voltou-se contra o Estado genocida de apartheid, e o governo dos EUA simplesmente ignorou.”
Segundo ele, a acção “teria sido moralmente justificada há 11 anos, durante a operação ‘Protective Edge’ [Margem Protetora], quando tomei consciência da brutalidade exercida na Palestina. Mas, para a maioria dos americanos, pareceria então algo incompreensível. Hoje, muitos compreenderão claramente — e, de forma peculiar, verão como a única atitude sã”.
Rodriguez também menciona no texto Aaron Bushnell, militar norte-americano que se imolou diante da embaixada israelita em Washington D.C., como uma das pessoas que deram a vida em protesto pela Palestina.
Violência revolucionária e ações anteriores
O acto de Rodriguez representa um avanço na violência revolucionária praticada por activistas nos EUA em solidariedade com o povo palestiniano. É um episódio de relevo, que ocorre meses após outras acções armadas contra alvos reaccionários no país. Em Março, viaturas da Tesla, empresa do bilionário Elon Musk, foram alvejadas e incendiadas em diversas zonas dos EUA. Acções semelhantes ocorreram posteriormente na Europa.
Carta na íntegra de Elias Rodriguez
Explicação
20 de Maio de 2025
Halintar é uma palavra que significa algo como trovão ou relâmpago. Após um acto, as pessoas procuram um texto para fixar o seu significado — esta é a minha tentativa.
As atrocidades cometidas pelos israelitas contra a Palestina desafiam descrição e quantificação. Em vez de lermos relatos, assistimos a vídeos — por vezes em tempo real. Israel obliterou até a capacidade de contar os mortos, o que serviu bem ao seu genocídio. O Ministério da Saúde de Gaza regista 53 mil mortos por força traumática, pelo menos dez mil sob escombros, e milhares mais por doenças evitáveis e fome. Tudo isto com a cumplicidade de governos ocidentais e árabes.
Tal como no Iémen, onde durante anos se reportaram apenas “alguns milhares” de mortos até se reconhecer tardiamente o número real — 500 mil —, também os números em Gaza são subnotificados de forma criminosa. Não duvido das estimativas que apontam para mais de 100 mil mortos. Só desde Março deste ano, mais pessoas foram assassinadas do que nas operações “Protective Edge” e “Cast Lead” juntas. Quantas dessas eram crianças desmembradas, queimadas, explodidas?
Nós, que permitimos isto, jamais mereceremos o perdão do povo palestiniano.
Uma acção armada não é necessariamente uma acção militar. Na maioria das vezes é teatro, espectáculo, tal como muitas acções desarmadas. No início do genocídio, protestos não violentos pareciam sinalizar uma viragem. Milhares tomaram as ruas em solidariedade com a Palestina. Muitos políticos americanos foram forçados a admitir, ao menos retoricamente, que os palestinianos são humanos. Mas a retórica nada significou.
Israel orgulha-se da liberdade dada pelos EUA para exterminar os palestinianos. A opinião pública voltou-se contra o apartheid, mas o governo norte-americano ignorou-a, criminalizando protestos e abafando dissidência com garantias vazias. Aaron Bushnell e outros sacrificaram-se. O Estado quer fazer-nos crer que foi em vão. Não podemos deixá-los vencer.
A impunidade de quem apoia este massacre é ilusória. Um cirurgião que tratou vítimas do genocídio maia relatou como homens armados entraram numa sala de operações e mataram um paciente em plena cirurgia — e mais tarde desfilavam impunes. Um homem tentou atirar Robert McNamara, responsável pelo massacre no Vietname, ao mar — não conseguiu, mas explicou: “Estando frente a frente, a história dele já não parecia tão boa, pois não?”
Quanto à moralidade da acção armada: muitos dizem que os perpetradores perderam a sua humanidade. Eu entendo. Mas a monstruosidade é muitas vezes humana, demasiado humana. Ser humano não isenta ninguém da responsabilidade. A acção teria sido justificada há 11 anos. Hoje, finalmente, muitos entenderão e verão como a única atitude sã.
Amo-vos, mãe, pai, maninha, toda a minha família — e tu também, O***.
Palestina Livre.