Incêndio florestal em Penafiel, a 31 de julho de 2025. Foto: REUTERS/Violeta Santos Moura
Desde o início de 2025, Portugal tem enfrentado uma das mais graves crises de incêndios florestais das últimas décadas, com níveis de destruição sem precedentes e uma persistência alarmante de focos ativos em várias regiões do território. Até Julho, já se tinham registado mais de três mil incêndios, um aumento de cerca de 68% face ao mesmo período do ano anterior, e quase dez mil hectares tinham sido consumidos pelas chamas, número que representava o triplo da área ardida em 2024. Contudo, foi no auge do Verão, em Agosto, que a situação se agravou dramaticamente: apenas nos primeiros quinze dias do mês, mais de sessenta mil hectares foram devastados pelo fogo, elevando o total anual para cerca de cento e trinta e nove mil hectares. Esta dimensão equivale a mais do dobro da média registada nos últimos dezoito anos e coloca Portugal como o país da União Europeia proporcionalmente mais atingido pelo fogo em 2025, com aproximadamente 2,35% do seu território já consumido.
No terreno, a resposta mobilizou milhares de operacionais: em meados de Agosto, mais de três mil bombeiros combatiam simultaneamente mais de uma centena de incêndios ativos, apoiados por cerca de mil viaturas e duas dezenas de meios aéreos, incluindo aviões Canadair enviados por Marrocos. A dimensão da catástrofe tem levado à mobilização do povo português e de comunidades de imigrantes, nomeadamente oriundos do Brasil, Nepal, Bangladesh e Índia, que têm desempenhado papéis relevantes como sapadores florestais em regiões do interior; ou seja, as próprias massas populares estão tendo de se virar para não perderem o pouco que têm.
No Norte e no Alentejo verificaram-se os maiores números de ocorrências, sendo que concelhos como Trancoso, Ponte da Barca, Vila Real e Arouca concentram mais de metade da área ardida. O distrito da Guarda registou sozinho mais de quinze mil hectares destruídos, enquanto Viana do Castelo, Vila Real, Viseu e Aveiro sofreram perdas significativas.
Todavia, a inoperância do velho Estado português face aos incêndios constantes não é um problema recente. Nas últimas décadas, o padrão é a permanente a desorganização e o desinteresse dos governos de turno em combater um problema que cada vez mais surge de forma sistêmica. Essa negligência levou ao fatídico episódio mortal de Pedrógão Grande em Junho de 2017, responsável por vitimar 64 pessoas, configurando entre os incêndios mais mortais do século.
Mas afinal, de quem é a culpa dos incêndios?
O governo de turno de Luís Montenegro (PSD) tenta difundir nas massas uma narrativa de que incendiários “independentes” tentam espalhar o caos pelo país. Contudo, já em 2020 a AGIFR (Agência de Gestão Integrada de Fogos Rurais) alertava num relatório de balanço anual que do total de 6.257 fogos, 4.892 teriam sido iniciados por mão criminosa e só 51 pessoas teriam sido detidas pelo crime de incêndio florestal, deixando um gigantesco vácuo de culpados por encontrar, o que desbanca a teoria vazia que governo após governo tem fabricado. O velho Estado tenta, com o auxílio dos oportunistas e revisionistas (“PCP”, PCTP-MRPP, B.E., LIVRE e cia.) que insistem em tratar a questão fundiária da terra como “resolvida”, mistificar a razão dos incêndios, visando ludibriar a questão e por uma cortina de fumaça no facto de que o latifúndio é o real causador (ou propulsor) desses incêndios.
Atualmente, dados oficiais apontam para um cenário ainda mais dramático, com as queimadas descontroladas sendo a principal origem dos fogos, representando entre um quarto e um terço do total de ocorrências. A ação criminosa, por via de incêndios provocados, surge como a segunda causa mais relevante, seguida dos reacendimentos. Até meados de Agosto, já tinham sido detidas cerca de uma centena de pessoas suspeitas de envolvimento em incêndios florestais, embora a maioria encontre-se em liberdade provisória.
Dentro deste cenário catastrófico, uma verdade surge como imutável, as décadas de incêndios sobre as massas levaram a uma construção de um “cartel do fogo”, que movimenta milhões todos os anos, sob o mando do latifúndio, lucros que juntam empresas de helicópteros, madeireiras e de construção civil, ligadas ou a este ou à grande burguesia portuguesa, sobre a mesma bandeira de impedir o fim desta realidade.
A descoberta mais recente dessa quadrilha que envolve o latifúndio português e setores da grande burguesia, feita pela Polícia Judiciária (PJ), escancara a existência de um esquema que junta as principais empresas de helicópteros (Agro-Montiar, Helibravo Aviação, HTA Helicópteros, Gesticopter Operations Unipessoal, Airworks Helicopters, Avincis Aviation Portugal e Shamrock) com o objetivo de superfaturarem concursos públicos ao pedirem valores acima dos que o velho Estado estaria disposto a pagar. Todas juntas angarariaram 181 milhões só no ano de 2025, e mais de mil milhões nos 20 anos anteriores, dados que surgem no relatorio oficial da operação “Torre de Controle” da PJ, tática já aplicada em países como a Espanha e Itália. Neste esquema, estaria envolvido o atual ministro reacionário da Presidência, Leitão Amaro (PSD), já que tanto o seu irmão e o seu cunhado têm ligações com o dono da Gesticopter, contudo não são os únicos: um dos sócios da Helibravo, João Bravo, é um conhecido financiador do partido ultrarreacionário Chega, seja através de adoações diretas de altas quantias de dinheiro, ou na promoção de almoços de angariação de fundos para o partido.
Entretanto, os escândalos não ficam apenas pelos helicópteros superfaturados. Todos os anos dezenas de camponeses que abastecem grandes produtores de papel e mobiliário vêm os seus terrenos destruídos e o preço da sua produção cair a pique (um exemplo dessa situação foi a queda de preços após o caso de Pedrógão Grande, onde a madeira passou de 36 para 27 euros a tonelada, cerca de 25%), tornando o processo inviável, mas gerando lucros gordos aos produtores de papel e mobiliário.
Pedro Serra Ramos, o presidente da Associação Nacional das Empresas Florestais, Agrícolas e Ambientais (Anefa) em 2017, reconheceu que os preços despencavam nestes períodos numa entrevista ao monopólio mediático espanhol El Mundo: “O Governo não tem estado interessado em regular este sector, pelo que faltam infra-estruturas para prevenir este tipo de abuso. Na altura propusemos o estabelecimento de um preço fixo neste tipo de situações. A indústria fez todo o possível para derrubá-lo, pois não quer preços padrão e prefere lidar com os produtores um por um.” E conclui: “Há um negócio claro em iniciar esses incêndios e muitas pessoas – incluindo aquelas que compram madeira queimada por preços reduzidos – ganham muito com isso. Há incêndios em Portugal porque alguns ganham dinheiro com eles”, explicitando a relação do latifúndio com os incêndios.
Esta situação leva muitos camponeses a abandonarem as suas explorações, devido à incapacidade de continuarem os seus negócios, agora destruídos e sem perspectiva de futuro, vendendo-as ao velho latifúndio a um preço mínimo, de forma a tentar extrair algo do que investiram nos terrenos, o que acaba por beneficiar o acúmulo de terras e as condições de semi-feudalidade em Portugal, com uma exploração cada vez maior nas regiões a norte, acompanhado de um abandono cada ano mais drástico por parte do estado das povoações rurais, isto leva a um intensificar da atuação desses grupos beneficiados, já que acabam sempre impunes a qualquer responsabilidade.
Para finalizar toda a estrutura do “cartel do fogo”, juntam-se outras 3 áreas, a da construção civil, que vem ganhando espaço ao fazer contratos com o velho Estado para reconstruir casas destruídas pelas chamas, replicando o modelo das empresas de helicópteros de superfaturação, e as ONGs de apoio às vítimas, conhecidas por serem instrumentos de desvio de dinheiro e até mesmo lavagem, processo denunciado por inúmeros presidentes de Junta de Freguesia, mas que acabou arquivado pelo Ministério Público (MP), mesmo tendo reunido 44 arguidos. Por último, e não menos responsável, temos os monopólios de média burgueses, que capitalizam a tragédia ao máximo, colocando até mesmo jornalistas em risco, como acontece durante a cobertura da CMTV aos incêndios, contudo não é a única, outros monopólios (TVI, SCI e CNN) também utilizam a tragédia para impulsionar os números dos programas diários sem cabimento.
Diante disto, o que fazer?
Os incêndios não são mais do que uma nova expressão desse conflito agrário, que tente a uma concentração cada vez maior de terras pelos latifúndio, algo que se verifica pela diminuição em 50% as explorações agrícolas, de 600 mil para 300 mil, e dessas 300 mil 4% detêm acesso a 47% da superfície agrícola e concentram 65% do valor econômico.
A mistificação dos incêndios não tem nenhum fator que surja à toa, sem propósito. O velho Estado português promove uma cortina de fumaça sobre a questão pois esta é a sua função. O latifúndio e a grande burguesia portugueses são os donos desse Estado, são as classes dominantes em nosso país e todos a serviço do imperialismo, hoje principalmente o francês e o alemão; e, portanto, o usam para manterem-se no poder, vilipendiando as massas, neste caso principalmente as camponesas, com a mais brutal exploração e opressão; a tática dos incêndios é somente mais uma forma desse exercício. Ou seja: eles são parte das campanhas permanentes e terroristas do velho Estado e suas classes contra o povo. Criminosos também são seus cúmplices e suas organizações partidárias, todas reunidas na “Assembleia da República”, e mesmo extraparlamentares, sejam eles abertamente reacionários ou da falsa “esquerda” oportunista, que estão aí somente para gerir a crise e seu peso sob a vida das massas populares portuguesas.
No campo, essas e outra situações demonstram às massas camponesas que o latifúndio é, de fato, o causador de toda a sua chaga. A experiência histórica das lutas pelas terra do povo português, como a desenvolvida no Alentejo durante as grandes revoltas populares dos anos 70 onde as massas chegaram a desfraldar, defender e aplicar que “Terra a quem a trabalha!”, e mesmo a experiência da luta camponesa em países como o Brasil, demonstra que somente a destruição do latifúndio e a distribuição de todas as terras entre os camponeses, principalmente os com pouca ou nenhuma, através de uma poderosa Revolução Agrária, pode conter todos esses crimes contra o povo.
Os pobres no campo estão cansados de viverem em uma situação quase que infra-humana, tendo de trabalhar numa condição semisservil e vender suas vidas inteiras às imensas áreas improdutivas de terra que o latifúndio possui, para com os incêndios serem expulsos da terra em que tanto brigaram por ter e, ao fim e ao cabo, serem obrigados a vendê-las para o esses mesmos grandes proprietários, que de nada servem ao povo, a preços minúsculos. A eles, se somam os pobres da cidade, operários superexplorados pelos grandes patrões burocratas e compradores por salários cada vez mais baixos e corroídos; e demais massas populares, esmagadas pelo estrangulamento causado por estas mesmas classes dominantes portuguesas.
Toda esta camarilha inimiga do povo só pode ser enfrentada com a formação de uma verdadeira aliança operário-camponesa, que una o ímpeto revolucionário dos operários com as demandas justas do campesinato, principalmente pobre, por terra, e que reuna ao seu redor todas as massas populares esmagadas, oprimidas e restringidas pelo imperialismo, tudo sob a direção onímoda do proletariado. Tal aliança só pode ser forjada com o proletariado forjando e reconstituindo, antes de tudo, o seu destacamento avançado, que dirija este processo firmemente. A força motriz da revolução, o proletariado, dirige e se une de forma a emancipar também o campesinato, que luta diariamente contra o latifúndio e o imperialismo na tentativa de manter a posse da pouca terra que ainda lhe pertence (lembremos o caso das explorações de lítio em Portugal).
Demarcado isto, é necessário mobilizar, politizar e organizar a justa luta dos camponeses contra o latifúndio e os seus lacaios, e fazer erguer bem alto a bandeira da Revolução Agrária, transformando as cidades portuguesas em suas caixas de ressonância.
