Foto de Acampamento em Defesa do Barroso. Foto: Reprodução/Interior do Avesso
O campo empobrecido, num país em constante transformação política, no meio da morte da monarquia portuguesa e queda da Primeira República (segunda metade do século XIX e inícios do século XX), vê as suas terras invadidas pelas garras da exploração mineira. As minas guarnecidas pelo velho Estado rapidamente causaram por todo o interior do território um massacre ambiental pela contaminação dos solos agrícolas, da poluição das linhas de água e das águas costeiras.
Diante da injustiça, as massas camponesas tomaram a defesa das suas terras como ambição principal, desenvolvendo acções de resistência, tanto legalistas (petições e da acção parlamentar), como clandestinas (motins, sabotagem e destruição de propriedade), num misto de atividades individuais e coletivas.
Todas estas ações pintaram o país um pouco por todos os distritos com o sangue efrevescente de resistência, ao resultar num primeiro momento, durante a segunda metade do século XIX, na tomada da mina de São João do Deserto, Aljustrel (1855) e minas do Braçal, Palhal e Telhadela, nos concelhos de Sever do Vouga e Albergaria (primeiro 1862 e depois 1866), seguidas 10 anos depois pela tomada da mina de São Domingos, em Mértola (1875 e mais tarde, novo conflito em 1884 e 1887). Já depois do surgimento da Primeira República, no começo do século XX, as minas de Talhadas, Sever do Vouga (1917), as minas de Aljustrel (1922)e as minas de Vale do Vouga (1924 e 1926).
Estes dados, esquecidos por muito tempo da história portuguesa, são divulgados pelo historiador Paulo Eduardo Guimarães, membro do Centro de Investigação em Ciência Política (CICP) e professor no Departamento de História da Universidade de Évora, que concluiu uma das suas entrevistas ao revelar o carater das ações clandestinas feitas pelos lavradores e alguns mineiros que procuravam condições melhores: “Registadas genericamente nas nossas fontes como “atentados contra a propriedade”, estas acções envolviam a destruição de máquinas, de equipamentos e de produção armazenada, acompanhadas pelas tomadas do campo mineiro e por motins”. O apagamento, muito útil para a grande burguesia e o latifúndio, é realizado por estes, que esbravejam a
O lítio faz os imperialistas salivarem pelas terras camponesas de Portugal
Uma nova corrida ao interior do país é aberta em início de século XXI, após Portugal ser colocado dentre os 10 países com mais lítio dentro do seu terrítorio, mais precisamente em 6º lugar. Mesmo assim, o interesse não foi imediato, devido à dificuldade em extrair o minério, por estar combinado a outras espécies minerais, custeando o processo. Contudo, a crescente procura do merdado das baterias levou a um avançar feroz de vários monopólios imperialistas.
Só entre 2017 e 2019, mais de 41 pedidos de prospeção foram entregues ao governo de turno de António Costa, sendo anunciado que seria dada uma resposta a todos através de concursos públicos internacionais para a atribuição de licenças, de forma a vender Portugal pedaço por pedaço a empresas de rapinas ligadas ao imperialismo. Entretanto, houve a descoberta de que a camarilha do primeiro-ministro reacionário António Costa havia colaborado diretamente com algumas empresas na atribuição das explorações, num processo cheio de incoerências. Aparentando ser “democrático”, o concurso público é, aqui, a validação do espólio imperialista e de seus lacaios locais pela via liberal, uma escolha institucionalizada de quem explorará a terra em detrimento dos camponeses; tão somente mais uma forma que o velho Estado assume o processo, sendo que o velho Estado nem faz mais questão de fazê-lo, apelando para a costumeira corrupção descarada.
Em meio a Montalegre surgem as famosas Covas de Barroso, onde as empresas extrativistas (australiana Dakota Minerals e a portuguesa Lusorecursos, ligada ao imperialismo principalmente alemão e, secundariamente, o francês) disputam de forma judicial e bélica as terras camponesas dos baldios da aldeia de Carvalhais (Viseu), sendo necessário por várias vezes a intervenção da Guarda Nacional Republicana (GNR) de maneira a “mediar” os complitos entre homens das duas corporações. A poucos quilômetros de Carvalhais, no conselho ao lado, Boticas, a empresa inglesa Savannah Resources — ao qual, Mário Ferreira, atual dono do monopólio de imprensa TVI e associado próximo do partido ultrarreacionário Chega, tem uma participação de 10% —segue isolada, e afirma ter o potencial para liderar a produção de lítio na Europa com a mina a céu aberto do Barroso.
O cenário, muito semelhante ao que abalou o campesinato na transição do século XIX para o século XX, fez aparecer na opinião pública uma feroz luta pela terra, naquilo que é considerado pela polícia reacionária uma “zona de conflito”, devido aos vários confrontos que aconteceram a região nos últimos anos (em 2024 foram registados 6 conflitos), como sabotagem das máquinas de prospeção em Boticas em abril de 2025, ou a vandalizalição das instalações da Savannah Resources a Junho do mesmo ano.
Em resposta, as “forças de segurança”, a abril de 2025, ameçaram de prisão um camponês que tinha o seu reboque a impedir a passagem de máquinas da Savannah Resources. Em revolta, cerca de 25 pessoas juntaram-se para defender o camponês. A associação Unidos em Defesa de Covas de Barroso (UDCV) afirmou num dos seus canais: “A população decidiu não permitir mais este abuso”.
Entretanto, estes episódios não são eventos isolados, são parte de um conflito agrário que tem vindo numa escalada ascendente, com os camponeses a alertarem para o perigo do uso da força pública contra o povo em resistência e a eventual detenção de populares. Em Dezembro de 2024, em outra situação semelhante, uma patrulha da GNR foi destacada para Covas do Barroso todos os dias do mês e “seguranças” privados do latifúndio minerador a passar de carrinha, às 3 da manhã, em frente a casa de camponeses, quando deveriam apenas estar a guardar os terrenos da empresa. Isto reflete o conluio do velho Estado (através da GNR) com o latifúndio e as empresas de “segurança” privadas, que atuam como escolta armada do último. Junto a isso surgiram relatos de revistas abusivas a camponeses idosos ao anoitecer, sem qualquer jultificativa. Para além
Face a tamanha injustiça, essa feroz vontade de luta era só uma questão de tempo até ser acesa novamente no coração do campesinato envelhecido que povoa as terras do Barroso, sob os lemas “Soam as enxadas da resistência” e “Brigada da Foice a hora / É de morrer ou de matar”, sendo esta última, parte do seu hino Brigada da Foice, que ressoa junto das tremolas bandeiras da resistência popular que permanecem hastedas por toda a aldeia contra as políticas anti-povo do velho Estado.
O espólio mineiro imperialista e o latifúndio: duas faces da mesma moeda
Longe de ser uma realidade do passado, como argumentam alguns setores oportunistas encastelados nas cidades, o espólio do campesinato pelo latifúndio é parte do cotidiano português desde há muito tempo, cujo cenário se desenrola no campo português, com fluxos e refluxos de violência generalizada. Apesar da exploração mineral aparentar ser uma inovação, ele é somente o desenvolvimento formal da velha exploração latifundiária, com uma nova roupagem (por exemplo, envolvimento de tecnologia avançada, sempre com muito investimento imperialista).
Isto acontece devido ao caráter da exploração da terra no nosso país, imposto pelo imperialismo como forma de tornar refém o povo trabalhador no campo e na cidade, estruturado em um modo de produzir que joga os camponeses, principalmente pobres, para o mais abjeto trabalho semi-servil no latifúndio de todo tipo, o que leva ao despossuimento da terra por parte destes e a ruína da economia doméstica. Essa pontuação, tampouco, é nova: revolucionários, democratas e progressistas denunciam isso há várias décadas, e as massas camponesas frequentemente se atiram à luta pela terra por quem a trabalha na história de Portugal.
Os monopólios de imprensa verborreiam, com enorme patrocínio dos seus amos imperialistas e gerentes locais, essa situação que vive o povo pobre como “desenvolvimento”, ao servir aos seus interesses de classe em geral; afinal, são investimentos que injetam no país ao seu próprio serviço, para saquearem e tirarem do povo português. Em dados disponibilizados pela organização Mining Watch e repercutidas pela média Guilhotina.info, 25% do território nacional está sob ameaça direta do saque imperialista (advindas do Canadá, Grã-Bretanha, Bélgica, Austrália, Suécia e outros), com concentrações no Alentejo e nos distritos do Centro e do Norte, como Bragança, Castelo Branco, Guarda, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Os enfrentamentos entre os camponeses e o latifúndio extrativista se dão principalmente no entroncamento entre os distritos de Castelo Branco, Guarda e Viseu.
Revolução Agrária: nova e superior etapa da luta camponesa e popular
Tamanho saque ao campesinato pobre, como demonstrado em todo o artigo, expõe a necessidade de elevar a luta contra a velha estrutura semifeudal mantida no campo pelo imperialismo e seus agentes de classe locais, a grande burguesia e principalmente o latifúndio. A estrutura fundiária portuguesa conserva traços semifeudais, caracterizados pelo esmagar do pleno desenvolvimento de demandas democráticas do povo, como a distribuição da terra a todo o campesinato, principalmente pobre, expulsando-o da terra, tirando a sua dignidade, arruinando a economia e estrangulando a industrialização nas cidades a favor do espólio e da manutenção do regime atual português.
A própria massa camponesa em Portugal levanta-se progressivamente como consequência disso, e dá grandes mostras de heroísmo e coragem que abalam as estruturas do velho Estado e seus chefetes. Este, que reúne dos fascistas e oportunistas em sua Assembleia da Republiqueta de corruptos, é abalado pela fúria popular, e tenta encobrir esta realidade decretando “o fim dos conflitos agrários”. Esta característica não é exclusiva de Portugal, mas de todo o terceiro mundo semicolonial/colonial e semifeudal.
Assim como são os exemplos, devem ser as vitórias: analisemos a luta agrária no Brasil, na Índia, no Peru, na Turquia, nas Filipinas, Colômbia, Equador, México e muitos outros, que conquistam avanços atrás de avanços, como um exemplo luminoso a ser repercutido e incorporado à prática de luta revolucionária em Portugal. O que há de comum nestes é um aspeto importante, que é a existência de uma direção proletária, ou sob a execução de sua formação, no fogo da luta de classes, disposta a dirigir os camponeses com um vigor ardente capaz de derrubar qualquer tigre de papel que cruze o caminho luminoso da justa revolta das massas. Estes reflexos gloriosos envoltos em largas vitórias contra o latifúndio têm de soar nos corações de toda a classe operária e do campesinato, oprimidos por décadas, como frutos de um destino vindouro de destruição total do latifúndio e distribuição de todas as terras aos camponeses, confisco do capital burocrático-comprador e expulsão do imperialismo de Portugal.
Entender isto, é compreender que só existe um caminho, cheio de sacrifícios e perdas, contudo sobre estas não têm de recair os nossos pensamentos. Basta lembrar do que dizem os companheiros do Brasil face aos massacres patrocinados pelo latifúndio: “O risco que corre o pau corre o machado”.
