
Os levantes populares que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 trouxeram consigo a revolta acumulada das massas perante o velho Estado fascista português, com Salazar à cabeça, durante 40 anos. Um grande foco dessa luta acabou por ser o campo, onde as massas ampliavam paulatinamente a sua capacidade de combate e onde a repressão havia sido verificada com grande intensidade. Um notório exemplo disso é o caso de Catarina Eufémia, militante do P.C.P. liquidada com 3 tiros pela sanguinária GNR a 1954 em um protesto massivo por melhores salários, em Beja.
As tomadas de terras ao latifundiário no Alentejo começaram a 10 de Dezembro de 1974, poucos meses após o fim do regime fascista, durando até à tomada de posse de António Barreto como ministro da Agricultura do I Governo Constitucional. Esta luta campesina foi dirigida tanto por homens como mulheres do povo, que na luta contra o latifúndio brigaram pela repartilha da terra entre os camponeses, principalmente pobres. Este processo levou à formação das chamadas UCPs (unidades coletivas de produção) e cooperativas.

No Alentejo, ao contrário do que acontecia no norte do país, as mulheres apenas trabalhavam sazonalmente, seja nas fabriquetas ou no latifúndio. Eram relegadas pelo imperialismo, pelos reaccionários e pelos oportunistas para uma posição de subalternidade face ao homem na sociedade e na família, juntando ao trabalho no campo, quando havia, o cuidar da casa, do marido e dos filhos.
Por outro lado, os invernos eram onde a miséria corria pelo campo, condenando sobretudo as mulheres ao desemprego. A extrema miséria vivida por essa parte da população ligada aos trabalhos sazonais fazia com que as massas camponesas, sobretudo as mulheres, se organizassem para melhor poder sobreviver às estiagens, desde o apoio mútuo ao confisco de alimentos produzidos para exportação pelo latifúndio.
O papel da mulher do povo nas lutas por terra
Desde o início das tomas de terra em 1974, as mulheres do povo tinham participações importantes nas lutas populares no campo e na cidade. Nas manifestações populares, haviam grandes contingentes femininos que, junto aos homens de sua classe, demandavam mais empregos e terras para os camponeses pobres em geral, assim como nas ocupações realizadas a Dezembro, onde tomaram participações de alto grau de importância. Um grande exemplo foi a grande manifestação ocorrida em Beja a 21 de Janeiro de 1975, onde operários e camponeses, com um grande bloco feminino, conclavam o fim do latifúndio e terra a quem a trabalha; esta chispa logo fez ecoar-se em todo o Alentejo, onde as massas camponesas ocuparam aos milhares as ruas, desde o Litoral ao Ribatejo, chegando a marchar mesmo até Lisboa.

«Ajudávamos, participávamos no que eles faziam. Em manifestações, em ficar alerta. Não consigo explicar bem. Participei em manifestações em Odemira, em Beja, ainda fui a Lisboa a algumas. Iam bastante mulheres», declara uma camponesa, de nome Georgina, que esteve presente nas mobilizações à época.
Era, assim como em muitos outros exemplos na história de Portugal, a fúria revolucionária da mulher sendo despertada não só pela situação em que seu povo vivia, mas também pela particular opressão feminina que esta vivia sob o jugo do imperialismo e dos seus lacaios locais. O período proporcionou grandes ensinamentos que, necessariamente, devem ser trazidos à luz pelo movimento feminino revolucionário aos dias de hoje.
O golpe contrarrevolucionário do oportunismo à luta camponesa e feminina
Com a ausência de um destacamento avançado sólido do proletariado à época, que dirigisse toda essa justa fúria das massas em geral e, particularmente, das mulheres do povo, os revisionistas e oportunistas de toda laia (como o “PCP” e o PS) tomaram as rédeas da luta das massas, causando uma derrota temporária não só às mulheres camponesas, mas de todo o povo em Portugal. Com a atuação primeiramente do “PCP”, as recém-formadas UCPs, que brigavam por funcionar, são atadas ao velho Estado por meio da corporativização sindical e da infiltração da PSP/GNR, a qual este partido permitia devido à sua participação na re-estruturação do velho Estado.
Isto se expressou, para além do enfraquecimento das tomadas de terra, na desmobilização feminina no seio dos camponeses. Na maioria dos concelhos das cooperativas, a participação das mulheres era nula, e mesmo somente 11,2% dos participantes fundacionais das UCPs (processo ocorrido após Outubro de 1975, quando o “PCP” já tinha tomado a direcção do processo) no distrito de Beja eram mulheres. Apesar da maior participação das mulheres na produção camponesa, a sua maioria foi limitada a meros trabalhos sazonais, contribuindo para o recomeço da ruína desta economia. Pela direção ideológica burguesa-feudal do “PCP”, predominaram no aspecto económico e cultural as velhas relações patriarcalistas, que puseram as mulheres de volta ao cuidado doméstico, alheias à luta de classes.
O golpe final acontece, já com os grandes levantes populares aplainando-se, com a imposição da “Lei Barreto” por parte do governo de turno reacionário de Mário Soares (PS). As UCPs e demais cooperativas, já atadas ao velho Estado por conta do “PCP”, foram completamente cerceadas e as terras, conquistadas com o suor e sangue de gerações de camponeses e camponesas, foram progressivamente devolvidas aos latifundiários não só por este governo de turno do PS, mas todos os outros posteriores. Todos estes governos fizeram questão não só de devolver as terras ao latifúndio, como de lançar leis draconianas que impediam e criminalizavam abertamente tomadas de terras pelo campesinato.
As mulheres do povo, que lutavam junto aos homens por terra a quem a trabalha, foram desmobilizadas pelos reacionários e pelo revisionismo/oportunismo. Isto não só favoreceu o imperialismo e seus lacaios locais (grandes burgueses e latifundiários portugueses), na perspetiva de garantir o máximo da superexploração das massas em geral para sustentar a sobrevida deste sistema já apodrecido, como de forma mais particular impôs a vida sob o patriarcalismo destas mesmas classes dominantes, onde elas existem somente para reproduzir a vida e o trabalho, de forma invisível. Imperou, de forma temporária, a quarta montanha, específica para a mulher do povo, que é o machismo/patriarcalismo.
O que isso ensina aos revolucionários e democratas em Portugal hoje
Necessariamente, toda essa experiência demonstrou na prática várias postulações fundamentais para os revolucionários e democratas não só em Portugal, mas ao redor de todo o mundo. A primeira, num tratado mais geral, é a de que se as massas carecem de uma direção proletária, de um destacamento avançado, de um autêntico Partido Comunista, para as suas lutas, não verão outro caminho senão a derrocada temporária não só da luta política pelo poder, como mesmo das lutas reivindicativas. Isto expressa a contradição fundamental da sociedade capitalista, que é a entre o proletariado e a burguesia: se a direção não é proletária, capaz de desenvolver e avançar a luta das massas em uma luta pelo poder político, a direção desembocará para as classes dominantes.
No que diz respeito às mulheres do povo, não sobra outra lição primordial que a urgente necessidade de um vigoroso movimento feminino revolucionário que, guiado com a ideologia científica do proletariado internacional, mobilize, politize e organize as massas femininas em torno de suas demandas específicas, ligando-se umbilicalmente a esse destacamento avançado, combatendo todo matiz de oportunismo, rechaçando o feminismo burguês e pequeno-burguês, servindo em última instância à tomada do poder em todo o país pelo proletariado.
A experiência da história da luta de classes mostra que isso é não só possível, como obrigatório. Desde a Comuna de Paris, a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917, a Grande Revolução Chinesa de 1949 às Guerras Populares em curso no Peru, Índia, Turquia e Filipinas, a emancipação das mulheres a partir de sua mobilização, politização, organização e armamento foi e é ordem prioritária do dia.
Em Portugal, este movimento feminino revolucionário, ligado à tarefa estratégica atrasada do proletariado português, ainda não existe, no entanto se faz como questão urgente para os revolucionários e democratas deste país. Esta, longe de ser uma questão secundária, perpassa pela emancipação não só das mulheres do povo em si, mas de todo o povo e suas classes, sob direção do proletariado revolucionário. Como desfraldou o Presidente Mao, «às mulheres pertence metade dos céus e devem conquistá-lo», ontem e hoje.