Foto: Reprodução/Jornal A Nova Democracia
Republicamos um material disponibilizado pelo jornal democrático e revolucionário brasileiro A Nova Democracia.
A morte repentina do fundador do Turning Point USA, Charlie Kirk, com um tiro preciso no pescoço, deixou a extrema direita ianque órfã do seu principal porta-voz “institucional”. Kirk representava uma versão “institucionalizada” dos extremistas de direita, apoiado abertamente por políticos tradicionais e grandes doadores. A sua ausência deixa em aberto quem herdará esse espaço de liderança.
No vácuo, emergem figuras que orbitam muito mais nas margens digitais do que nos auditórios acadêmicos. O conspiracionista Alex Jones, condenado a pagar quase US$ 1,5 bilhão a famílias de vítimas de um tiroteio em massa no EUA por difamação, segue a transmitir a sua retórica de resistência contra “inimigos invisíveis” a milhões de seguidores. O streamer Nick Fuentes, que já se aproximou de Donald Trump e Kanye West, radicaliza uma geração de jovens com discursos chauvinistas e antissemitas.
Já o comediante Sam Hyde, transformado em meme recorrente, usa uma tentativa de humor, ideologias reacionários e estética da extrema direita em fóruns e subculturas online. Do outro lado do Atlântico, o escocês Millennial Woes defende a aplicação de políticas segregacionistas para preservar a “herança europeia”. Nenhum deles tem a capacidade organizacional de Kirk, mas todos dominam uma audiência engajada em ambientes digitais.
O AND mergulhou por dias no lamaçal produzido por essa gente nas profundezas da internet para identificar os rostos centrais da extrema direita chamada de alt-right e entender exatamente o que cada uma dessas figuras defende. A reportagem pode conter citações que parecem absolutamente insanas, anacrônicas ou tiradas de obras de algum líder nazista, mas são replicações diretas das falas dos líderes da extrema direita digital.
Richard Spencer: ‘Os africanos beneficiaram-se dos regimes de supremacia branca’
É impossível falar da extrema direita no EUA sem mencionar Richard Spencer. Ele é o presidente do Instituto Nacional de Política, uma think-thank de alt-right criada por ele próprio.
Foi durante uma reunião dessa instituição que Spencer defendeu que “ser branco é ser esforçado, ser um cruzado, ser um explorador e um conquistador. Nós não exploramos outros grupos. Eles precisam de nós e não o inverso. Para nós, como europeus, [o mundo] só será normal novamente quando formos grandes novamente”, disse ele, complentando o discurso com as saudações ianque-nazistas “Hail Trump! Hail ao nosso povo! Hail à vitória!”. Você leitor do AND, talvez já tenha visto vídeos desse discurso, mas é mais provável que conheça Spencer por um outro vídeo, em que ele é esmurrado com bastante força por um manifestante popular em meio a uma entrevista.

Spencer também é conhecido por defender a escravização de haitianos. Ele disse isso durante uma edição de 2018 do seu podcast Altright.com, logo após um de seus convidados reclamar do envio de comida do EUA para o Haiti depois do furacão de 2017. “Exatamente, não. Você deveria escravizá-los. Isso seria um objetivo de guerra adequado”, disse Spencer.
Em uma outra entrevista para um jornalista do The Guardian, Spencer defendeu um “etnoEstado para as pessoas brancas”, disse que “os africanos beneficiaram-se com a experiência da supremacia branca”, porque puderam evoluir, e disse que “se os africanos nunca tivessem existido, a história mundial teria sido quase exatamente a mesma que é hoje. Nós [os brancos], somos os gênios que a dirige [a história mundial]”.
Spencer começou a perder relevândia depois de ter participado do comício Unite the Right (Unir a direita), uma mobilização supremacista branca que ocorreu em Charlottesville, na Virgínia, de 11 a 12 de agosto de 2017, e desapareceu dos holofotes depois de 2020. Na mobilização, os fascistas e ultrarreacionários organizaram-se em bandos paramilitares, levantaram símbolos nazistas e dos confederados e gritaram contra os árabes.
Nick Fuentes: ‘Relações interraciais são uma bestialidade’
Outra figura é Nicholas Joseph Fuentes, ou simplesmente Nick Fuentes. Ele já mostrou-se um degenerado em 2016, quando ainda estava no ensino médio e declarou apoio a Donald Trump. Em 2017, ele abandonou a universidade depois de participar da marcha Unite the Right.

Depois, criou o chamado “Groyper Army”, um grupo de chauvinistas supremacistas brancos. O símbolo deles é um sapo esquisito derivado de um meme da internet chamado “Pepe, o sapo”. O bando tem como atividade central ficar a provocar pessoas pela internet e não tem muita familiaridade com a socialização humana, algo essencial para o desenvolvimento de um ser humano.
O próprio Fuentes é um antissocial convicto, além de misógino. Em um podcast ouvido pelo AND, quando questionado sobre o casamento, ele disse “quero casar mais para ter um herdeiro homem do que qualquer outra coisa. Essa ideia de viver com uma mulher pelo resto da vida parece boa no início, não ter que lavar roupa, cuidar da casa. Mas tens de pensar que isso vai adiante, e são décadas atrás de décadas. Não me anima muito”
Várias vezes, Fuentes usou suas hordas de celerados para atacar eventos progressistas em universidades e até mesmo criar polêmicas entre a extrema direita para tentar disputar as bases de concorrentes como Charlie Kirk. Entre 2019 e 2020, ele chegou a interromper eventos da Turning Point USA na tentativa de pregar por mais radicalização na extrema direita.
Para Fuentes, pouquíssimas pessoas deveriam ser permitidas de votar em um sistema político. “Existem muitas pessoas que não deveriam votar: quem não tem propriedade, pessoas muito jovens, pessoas que trabalham em atacadistas”, listou ele, no mesmo podcast. Para ele, mulheres também não deveria votar em nenhum sistema político.
Sam Hyde: Financiador do nazismo e defensor do espancamento de mulheres
“Se eu um dia tiver a chance de legalmente espancar mulheres, isso vai acontecer, e vai acontecer rápido”. O homem por trás dessa frase é Sam Hyde, um suposto comediante e um dos criadores do grupo Million Dollar Extreme Presents: World Peace (2016).

Hyde é um representante da extrema direita que se projeta longe do campo explicitamente político, através de stand-ups e desenhos como forma de disseminar a ideologia reacionária.
A frase foi dita no vídeo Beating Women (Batendo em mulheres). Na mesma peça, ele disse que mulheres que buscam carreiras na área de ciência, tecnologia, engenharia e matemática são “lésbicas retardadas e safadas” e disse “sabe de uma coisa, querida? Você vai ser astronauta, vai ser a princesa astronauta mais linda (…) assim que você desenvolver um cérebro, sua p*** idiota”.
A palestra continua, e ele vira o ódio reacionário contra os homens de países coloniais e semicoloniais. “As mulheres passam por momentos difíceis em países do Terceiro Mundo. Por quê? Sabemos por quê? (…) Será que você está em um país cercado por selvagens com um QI médio de 75? (…) É porque eles estão cercados por assassinos retardados. É assim que o resto do mundo é.”
Além de atacar as mulheres, ele é um racista convicto. “Se houvesse uma raça, uma única pessoa capaz de pagar contas, de manter o casamento, de criar filhos bonitos e atraentes, uma única raça de pessoas, se houvesse uma única raça de pessoas com emprego que fosse salvar a humanidade, qual raça seria? […] Senhoras e senhores, é a raça branca!”, disse ele, em uma palestra.
Em 2017, Hyde doou 5 mil dólares para o “fundo de defesa legal”, administrado pelo fundador e editor do site neo-nazista The Daily Stormer, Andrew Anglin. Nos últimos anos, depois de uma baixa nas suas atividades a partir de 2020, ele tentou aumentar a própria popularidade de outras formas. Em 2022, Hyde organizou uma luta de boxe com o influencer Jake Thompson. O ex-líder do Partido de Independência do Reino Unido (UKIP), de extrema direita, Nigel Farage, e o membro do grupo fascista Alternativa Patriótica, Barkley Walsh, estiveram no evento.
Millennial Woes: ‘Eu acho que sou pró-escravidão’
Colin Robertson, conhecido como Millennial Woes, é um youtuber escocês da extrema direita. Apesar de não ser do EUA, é uma figura influente entre a chamada alt-right ianque, já que defende várias pautas em comum com os extremisas de direita do EUA.“Eu acho que sou pró-escravidão”, disse ele, quando questionado sobre as suas crenças mais controvérsias. O próprio Richard Spencer já declarou a sua admiração ao escocês. “Acho que ele tem uma perspectiva única, e é justamente o tipo de pessoa que precisamos na alt-right”.

Robertson é uma presença frequente em agitações neonazistas e supremacistas brancas na Europa. Ele também foi filiado à Alternativa Patriótica, mas conseguiu a proeza de ser expulso de um grupo fascista por má-conduta sexual.
O ódio aos imigrantes, principalmente africanos e árabes, também é uma constante nos discursos de Robertson. “Eu pergunto-me se esses refugiados, por mais vulneráveis que sejam, não deveriam ser vistos como o inimigo”, disse ele, em uma das transmissões que faz em um quarto escuro enquanto fuma um cigarro atrás do outro. “Talvez devêssemos explodir os seus barcos. Enviar alguns torpedos e destruí-los. Tu terás muitos homens, mulheres e crianças que perderão braços, pernas e depois se afogarão. Isso é horrível. É a pior morte que tu podes ter”.
Em outra ocasião, ele narra como foi a sua experiência na universidade. “Eu fui para a Escola de Artes em Londres, vindo de Edinburgh, na Escócia. Edinburgh era quase 100% branco. O hall da residência [da universidade] era extremamente multirracial e multi-cultural, e eu achei isso atordoante e horrível. Eu não gostei”, disse ele ao documentário Rebranding the alt-right, da The Atlantic
Recentemente, Woes passou a pregar que o futuro da Europa será um de supremacia branca ou de barbárie. “Esse futuro brilhante – branco-utopia, paz, pós-escassez, exploração espacial, mil novas gerações de nosso povo, com toda a sua criatividade, inteligência e compaixão – esse futuro é possível. É muito, muito possível!”, pregou ele. “Mas a alternativa a ele também é muito possível. E é o futuro brutal, atrasado, ignorante e miserável de uma Europa islâmica mestiça e de baixo QI! … O homem branco deve apodrecer na derrota ou deve se gloriar no triunfo!”.
Já em 2024, ele pregou que “a Europa está em uma encruzilhada. As decisões que tomarmos agora determinarão se preservamos nossa identidade ou nos dissolvemos em uma massa homogênea”, e no ano seguinte disse que “a imigração descontrolada ameaça a coesão social”.
Não há inocentes
Depois da morte de Charlie Kirk, veículos do monopólio de imprensa publicaram editoriais e notas de opinião que falavam sobre a crise da “democracia” e o cenário de polarização e violência política. Embora a interpretação de crise da democracia deva ser precisada – porque o que está em crise, na verdade, é especificamente a democracia burguesa –, é inegável que esse cenário é acompanhado de uma crescente violência política, resultado do embate cada vez mais encarniçado entre o campo democrático, progressista e revolucionário, e a contrarrevolução.
Em 2022, uma pesquisa do Pew Research Center mostrou que 40% dos estadunidenses acreditavam que uma guerra civil no país era provável nos próximos dez anos. De lá para cá, a violência política no país só cresceu: conforme informações recentemente reunidas por AND, “esse ano, o EUA foi palco da morte de dois diplomatas israelenses, de um tiroteio em uma manifestação sionista, de ataques a propriedades do ex-membro do governo Elon Musk e do presidente celerado Donald Trump e, também, de uma perseguição voraz a imigrantes e estudantes pró-Palestina, árabes ou não. Em Los Angeles, a campanha de prisão em massa de imigrantes desatou em uma mobilização massiva de milhares de pessoas que confrontaram a polícia e, depois, a Guarda Nacional e os fuzileiros navais enviados por Trump para reprimir os protestos, fato inédito no contemporâneo”. O governo de Donald Trump também escalou a repressão aos imigrantes depois do tiro contra Kirk.
Os extremistas de direita que podem ganhar mais fama com o vácuo deixado por Kirk servirão de combustível para esse cenário. Mesmo Fuentes, que tem várias restrições por conta das suas opiniões, já jantou com Donald Trump em 2022 e pode voltar a fortalecer os laços. Nesse caso, não seria uma surpresa que esses elementos tivessem o mesmo fim que Charlie Kirk.
