Foto: Reprodução/Jornal A Nova Democracia
Republicamos material disponibilizado pelo jornal democrático e revolucionário brasileiro A Nova Democracia.
Uma nova peça da campanha de demonização contra a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) foi lançada pela Polícia Militar de Rondônia (PM-RO) e reproduzida com regozijo cúmplice pela imprensa carniceira do estado. Diversos portais reacionários correram para reproduzir, entre os dias 11 e 13 de setembro, as acusações do boquirroto comandante da PM-RO, o “tiktoker” Régis Braguin, de que integrantes da LCP promoveram um “ataque armado” à Fazenda Norbrasil, latifúndio com dezenas de milhares de hectares, envolvido em uma série de “conflitos agrários” desde o início desta década, em Nova Mutum Paraná, distrito de Porto Velho.
O portal reacionário “Jaru Online”, da chamada “imprensa lixo” de Rondônia (como apelidada pelos camponeses), estampou num vídeo a manchete: “Supostos criminosos da LCP cometem ataque violento em fazenda em Porto Velho”, descrevendo que “posseiros usando armas de grosso calibre, inclusive fuzil, chegaram atirando, colocando os funcionários da fazenda para correr” e que “o bando saiu causando destruição em duas casas que foram derrubadas e ainda em um galpão”.
Na mesma linha de demonização, o site “Notícias Tudo Aqui” publicou, em tom sensacionalista: “Terrorismo em RO – integrantes da LCP atacam fazenda Norbrasil com armas de guerra”, citando cápsulas de diversos calibres encontradas na sede da propriedade, atribuídas aos camponeses. Segundo a versão “oficial”, “os disparos foram efetuados por integrantes da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), grupo que atua em conflitos agrários na região”.
O portal “News Rondônia” cuspiu as mesmas acusações: “Membros da LCP atacam fazenda em Mutum Paraná”, e o Rondoniagora sublinhou o “uso de armas de guerra para atacar a fazenda Norbrasil”. Todas as reportagens destacaram que a PM acionou o Batalhão de Choque e helicópteros para sobrevoar a região, reforçando a imagem de que se trataria de uma operação contra uma “organização criminosa” vinculada ao “tráfico de drogas”, e não um movimento camponês em uma luta de vida ou morte pela terra, como também acontece em todo o País.
O comandante-geral da PM-RO, coronel Régis Braguin, famoso por seus vídeos performáticos sensacionalistas, também entrou em cena com mais declarações coléricas nas suas “redes sociais”. Num vídeo publicado, fez os seus latidos: “Encontramos não uma luta social, mas a face brutal do crime organizado. Patrimônio em escombros, trabalhadores alvos de tiros de fuzil. Isso não é questão agrária; é bandidagem pura, que se esconde atrás de falsas narrativas para devastar, roubar e aterrorizar. A LCP não representa o trabalhador. Representa a ilegalidade, a violência e a exploração. Age como organização terrorista, e a PM-RO responderá com firmeza, com o rigor da lei e sem trégua”, disse ele, contradizendo os próprios porta-vozes da PM-RO na imprensa, que qualificam a LCP como “posseiros”.
Na via oposta, a LCP reafirmou, em seu último comunicado público: “Repetimos: enganam-se pensando que os seus ataques vão parar a luta pela terra! Enquanto existir essa situação onde um punhado de latifundiários ladrões de terra, privilegiados e parasitas da nação têm a posse da maior parte das terras do País e as dezenas de milhões de camponeses sem quase nada, arruinados e empurrados cada vez mais para miséria, essa luta seguirá e será mais cruenta. A nossa luta é justa, a nossa luta percorre séculos, é uma causa histórica pendente de solução, a nossa luta é sagrada!”
E fez a denúncia dos crimes da PM-RO, que, ao longo dos últimos anos, promoveu e acobertou matanças de camponeses no estado: “Assim atua essa tropa de covardes e assassinos do BOPE, que, à revelia da lei, invade áreas camponesas para assassinar trabalhadores e as suas lideranças. Assim foi que assassinaram os companheiros Amaral, Amarildo e Kevin, no dia 13 de agosto de 2021, assassinaram os companheiros Gedeon e Rafael em outubro de 2021, e em janeiro de 2023, torturaram e assassinaram os companheiros Esticado e Mandruvá na área Tiago Campim dos Santos.”
Norbrasil: sangue e grilagem
A Fazenda Norbrasil, palco constante de conflitos agrários, está diretamente ligada ao latifundiário Antônio Martins dos Santos, o “Galo Velho”, apontado já na “CPI da Grilagem” em 2005 como “o maior grileiro de Rondônia”.
Conforme reportagem do Repórter Brasil em 2021, investigações do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) apontam que Antônio Martins é comandante de uma organização criminosa responsável por desviar mais de R$ 330 milhões em fraudes no estado, além de ser responsável pela grilagem das terras que formam a Norbrasil, com a utilização de bandos armados compostos por policiais.
Em 2017, um processo de “reintegração de posse” na área foi arquivado pela Justiça Federal, já que o suposto “proprietário” não conseguiu comprovar a cadeia dominial do imóvel – indício cristalino de que se tratava de terra pública grilada. Ainda assim, a Fazenda Norbrasil jamais teve as suas terras destinadas à “reforma agrária”, como determina a constituição de 1988. Entre a letra fria da “lei” e a realidade, não há uma simples “lacuna”, mas um abismo.
Em junho de 2020, mais de 600 famílias ocuparam as terras e fundaram o Acampamento Tiago Campin dos Santos, organizado pela LCP, convertido depois, com o Corte Popular, em Área Tiago Campin dos Santos. Ali, estruturaram a produção de alimentos, escolas, espaços comunitários e até regras internas de disciplina, como a proibição de drogas e bebidas. A área logo se transformou em símbolo da luta camponesa contra o latifúndio em Rondônia, e alvo das hienas sanguinárias de pistoleiros mesclados, não raro, com polícias militares.
A resposta do estado de Rondônia foi a repressão brutal. Em outubro de 2020, após a morte de dois polícias na região que operaram clandestinamente como pistoleiros, segundo os camponeses, a PM logo iniciou uma campanha pesada de criminalização, cerco e aniquilamento contra a área. Promoveu o despejo ilegal e violento das famílias, destruindo plantações e barracos, impedindo a entrada de alimentos e torturando moradores.
Nos anos seguintes, seguiram-se chacinas e execuções: em 2021, os camponeses Amarildo, Amaral e Kevin foram assassinados pela Força Nacional e pela PM; em 2022, lideranças foram novamente alvo de operações.
No ano de 2022, no mês de setembro, pistoleiros pagos para fazer a guarda do latifúndio, fazenda NorBrasil, foram atacados a tiros, segundo os mesmos veículos de imprensa reacionários. Na ocasião, a blindagem da caminhonete permitiu que nenhum saísse ferido. Logo após, no mês de novembro, a fazenda foi destruída, e novamente, a imprensa reacionária acusou a LCP e tratou tal episódio como “terrorismo”. Na ocasião, a casa sede, currais, máquinas, tratores e veículos foram arrasados, gerando um prejuízo calculado em R$ 5 milhões ao latifúndio.
Em resposta, políticos celerados como o senador Marcos Rogério (PL-RO) e o deputado estadual Alex Redano (Republicanos) se revezaram em tribunas e notas oficiais para atacar o movimento camponês de “bandidos travestidos de movimentos sociais”. No ano de 2023, o camponês Patrick Gasparini Cardoso, o “Cacheado”, foi executado em ataque atribuído a polícias que cumpriam serviço de pistolagem ao latifundiário “Galo Velho”.
Polícia do latifúndio
O papel da PM-RO nesse enredo vai muito além da suposta “manutenção da ordem”. Diversas denúncias mostram a atuação de polícias como pistoleiros de latifundiários, em um conluio que evapora a linha de demarcação entre a chamada “força pública” das classes dominantes e força paramilitar diretamente privada. A própria “Operação Lamassu”, deflagrada pelo MPF em 2022, confirmou que “Galo Velho” mantinha bandos armados compostos por polícias civis e militares para atuar contra camponeses no estado, centralmente, para a execução de camponeses pobres vinculados à LCP.
Em 2021, a megaoperação “Nova Mutum” mobilizou mais de 3 mil soldados, helicópteros e, com apoio de tropas especiais da Força Nacional, atacou a área Tiago dos Santos. O saldo foi de destruição, mortes e despejos ilegais, em flagrante violação de protocolos jurídicos e direitos fundamentais.
Em janeiro de 2023, a Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo) denunciou uma chacina em que policiais do BOPE e do BPFron torturaram e executaram dois camponeses, Raniel Barbosa Laurindo e Rodrigo Hawerroth, durante reintegração de posse. No mesmo mês, a imprensa popular e democrática denunciou o assassinato de Patrick “Cacheado”, homicídio atribuído pelos camponeses a policiais pistoleiros do latifúndio.
Esses casos escancaram o cinismo da versão “oficial” da PM de Braguin de que combatem o “crime organizado”. A tribuna do AND também denunciou recentemente que a própria corporação tem oficiais denunciados por atuar em grupos de extermínio e agiotagem (chamados popularmente de “milicianos”, em verdade, paramilitares).
Ao mesmo tempo em que acusam a LCP de “terrorismo” e “bandidagem”, polícias de Rondônia são flagrados rotineiramente a executar camponeses, torturar mulheres, destruir alimentos, contaminar poços e impedir crianças de se alimentar. O comandante Braguin, no entanto, comemora e utiliza-se disso para revelar sua face sinistra. Em vídeo recente publicado em seu Instagram, fez uma peça de propaganda macabra de uma viatura andando na escuridão e uma música de fundo, com voz infantil, que dizia: “Um, dois, não olhe pra trás; três, quatro, correr não adianta mais; cinco, seis, chegou a sua vez; sete, oito, nove, dez, ele vai puxar seus pés”. Ao final, a viatura passa mostrando os polícias com aspecto de drogados. Na descrição da postagem, disse ainda: “Não estamos apenas nas ruas. Estamos caçando.”
