
Faixa feita pelos moradores do Talude contra as demolições. Foto: Vida Justa
Nos últimos meses, a região de Loures tem sido palco de vários despejos e demolições de habitações autoconstruídas, com maior visibilidade centrada no denominado Bairro do Talude Militar (Catujal). A autarquia — liderada por Ricardo Leão (PS) — tem emitido editais que ordenam a desocupação e a demolição de habitações precárias (“barracas”) e anexos habitados maioritariamente por imigrantes, numa sequência de operações que começaram em julho e voltaram a ocorrer no final de agosto deste ano.
Estas habitações foram alvo de uma providência cautelar interposta pelo Movimento Vida Justa, associação que luta pelo direito à habitação. Isto levou o Tribunal Administrativo de Lisboa a suspender temporariamente o desmantelamento. A Câmara de Loures lamentou o adiamento e voltou a solicitar ao primeiro-ministro reaccionário Luís Montenegro (PSD) uma reunião urgente para reforçar o apoio nacional às autarquias no despejo de imigrantes, mostrando uma vez mais a ineficácia de métodos principalmente institucionais para a solução da crise habitacional.
Outro foco de tensão situa-se junto à antiga fábrica da Sidul, em Santa Iria de Azóia, onde cerca de 70 pessoas — incluindo 21 crianças — habitavam anexos e barracas. Os moradores receberam apenas 48 horas de aviso antes da ação de despejo e demolição, sem que lhes fosse apresentada uma alternativa digna de alojamento. Muitos imigrantes viram os seus pertences amontoados em sacos à porta das habitações, implorando à Câmara por algum prazo para reorganizar as suas vidas em plena crise de habitação lisboeta.
As ações do velho Estado não passaram despercebidas pela justa fúria do povo. Ainda no mês de julho, quando as máquinas começaram a avançar para as demolições, dezenas de moradores tentaram resistir a deitar-se no chão e a formar barreiras humanas para impedir a destruição das suas casas, enquanto gritavam palavras de ordem de protesto às demolições e pedidos por alternativas habitacionais. Para garantir que a operação prosseguisse, foram mobilizadas equipas da Polícia de Segurança Pública, incluindo a Unidade de Intervenção Rápida, apoiadas pela Polícia Municipal. Bastonadas foram desferidas para dispersar os moradores e há relatos de pelo menos uma pessoa arrastada pelo chão. A Câmara Municipal de Loures confirmou que estas ações estavam sob sua coordenação, sendo os polícias destacados para assegurar a execução das ordens de demolição.

O fenómeno não é exclusivo de Loures, mas é particularmente agudo no concelho. Em 2021, Loures era o segundo município com mais “barracas” em Portugal, registando 140, apenas atrás de Odemira. Este dado coloca a crise habitacional em Loures no contexto da pressão imobiliária da AML (Área Metropolitana de Lisboa), que tem sido impulsionada pela especulação e o turismo de massa, financiados pelo imperialismo em geral no país e retrato de uma velha e insuficiente economia. A subida desenfreada das rendas e dos preços dos imóveis na capital tem forçado os residentes a deslocarem-se para concelhos periféricos, como Loures, onde a procura por habitação acessível se intensifica. Em Portugal, mais de cinco famílias perdem a casa diariamente — moradores são despejados das casas onde viviam há décadas para a construção de alojamento locais, favorecendo o turismo e deixando as rendas inviáveis por toda a zona.
O velho Estado tem sido instado a destinar verbas específicas no próximo Orçamento de Estado para os territórios mais pressionados, mas as negociações tardam. A autarquia de Loures utiliza este fato como desculpa para os despejos, argumentando que as autarquias, sem reforço orçamental, encontram-se “condicionadas” a políticas de “tolerância zero” que geram desalojamentos abruptos e sem rede de segurança adequada. A autarquia demonstra uma ambição em mitigar a crise com programas de apoio, ao mesmo tempo que adota medidas de “pulso firme” que são contraditórias com os seus próprios objectivos. Se visa dar “resposta às necessidades habitacionais prementes” e combater as “situações indignas”, o despejo de centenas de famílias que acabam por ficar “ao relento” ou “debaixo de uma ponte” mina diretamente essa visão.
As famílias despejadas recebem apenas apoio temporário em lares municipais ou redes de solidariedade, que são insuficientes para responder à dimensão do problema. Outros veem-se forçados a procurar soluções informais noutras regiões. Alguns moradores do Bairro do Talude continuam a dormir ao relento em tendas. Uma família imigrante, com três crianças, foi despejada de uma casa privada, ficando em risco de entrar em situação de sem-abrigo. Existem relatos de famílias de um bairro em Santa Iria de Azóia que, após o despejo, ficaram a “dormir literalmente debaixo de uma ponte”.
A Câmara afirma ter prestado apoio, incluindo “pernoita em unidade hoteleira e apoio alimentar”, e que algumas famílias “conseguiram autonomizar-se com recurso ao mercado de arrendamento” com o auxílio municipal para o pagamento da caução e do primeiro mês de renda. No entanto, a disparidade entre a realidade vivida pelos moradores e a versão oficial demonstra que independentemente da justificação legal ou administrativa para os despejos, o resultado é um crime contra o povo direccionado às famílias mais vulneráveis, especialmente imigrantes. O velho Estado em geral, incluso seus partidos (da extrema-direita à falsa “esquerda” oportunista e eleitoreira): são todos os mandantes e cúmplices do que está acontecendo ao gerirem essa crise.
A crise habitacional na AML continuará a empurrar as pessoas para a periferia, e Loures continuará a ser o palco destas tensões. Sem um Novo Estado que verdadeiramente se importe com as necessidades do povo e resolva as causas profundas – a especulação imobiliária e as redes turísticas, ambas financiadas pelo imperialismo e infladas pelo velho Estado –, os despejos em Loures continuarão a ser uma constante, independentemente das diferentes justificações que lhes sejam dadas. Às massas, como já vêm aplicando, corresponde a luta independente, classista e combativa pela habitação, tomando a si como vórtice definidor da vitória e não a institucionalidade corrupta e anti-povo do velho Estado.