
No último dia 13 de junho, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) publicou em Diário da República os nomes de 86 funcionários autorizados a decidir sobre pedidos de autorização de residência e a emitir notificações de saída “voluntária” do território português.
A medida, longe de ser um acaso burocrático, revelou com nitidez a contradição profunda entre a função repressiva do velho Estado e a fachada humanitária que ele tenta manter, consolidada na velha democracia burguesa. A reação foi imediata: o sindicato dos técnicos da migração denunciou um “atentado à proteção dos trabalhadores”. A preocupação não é infundada — afinal, esses funcionários agora constam formalmente em documentos que notificam imigrantes do seu afastamento do país. Mas o que chama atenção é a seletividade da indignação, não enxergando-a longinquamente.
Durante anos, milhares de imigrantes em Portugal tiveram seus processos ignorados, protelados ou sumariamente indeferidos sem qualquer transparência ou direito real de contestação. Nesses casos, ninguém, se não as próprias massas imigrantes oprimidas e exploradas, se levantou para denunciar o “atentado à proteção” dos imigrantes.

É curioso ver como os dados pessoais dos oprimidos circulam livremente pelos corredores do Estado e das empresas privadas — seja para controle, vigilância ou exploração — mas quando o mesmo Estado ousa tornar públicos os nomes dos que executam a política de exclusão, levanta-se um clamor corporativo em defesa da “segurança”. Em suma: quando a caneta decide sobre a vida alheia, o anonimato é proteção; mas quando a decisão recai sobre o imigrante, a exposição é regra.
Não se trata aqui de lançar julgamentos pessoais. Não se questiona se este ou aquele funcionário é uma pessoa “boa” ou “má”, mas sim o papel que estas funções cumprem na maquinaria do Estado: o de manter, com rosto humano, uma política sistemática de contenção, exclusão e chantagem sobre quem trabalha em Portugal sem os papéis “adequados”. A AIMA, apesar da sigla suave e do discurso multicultural, opera como linha de frente na separação racista e chauvinista entre “desejáveis” e “indesejáveis”, entre os que servem ao capital e ao latifúndio e os que se tornam descartáveis, desenvolvendo uma contradição entre massas imigrantes e não-imigrantes.
A realidade é dura: Portugal constrói a sua economia sobre o trabalho precarizado de milhares de imigrantes, vindos das antigas colónias e das semi-colónias, mesmo na própria Europa. Encarregados das tarefas mais pesadas, mal pagas e invisíveis, são esses homens e mulheres que mantêm viva a engrenagem dos setores essenciais de uma nação em decadência. E, no entanto, são os primeiros a serem perseguidos, investigados e expulsos quando “já não servem”.
O combate implacável contra o chauvinismo do velho Estado português
Mais do que discutir a publicação ou não de nomes, é preciso encarar a questão de fundo: quem decide quem pertence e quem não pertence? Por que há um poder que expulsa os imigrantes? Como se construiu uma política que transforma o imigrante num suspeito permanente e o funcionário num agente da desumanização, mesmo que sob o manto da legalidade?
A solução para esse impasse não virá de pequenas reformas ou da rotação de rostos na burocracia. Só a organização popular e a luta, com base nos bairros, locais de trabalho e universidades, pode barrar a lógica que trata o imigrante como um número ou ameaça. É necessário construir uma nova política migratória, que parta dos interesses das massas — nacionais e estrangeiras, em total unidade de classe — e não da lógica do lucro, da vigilância ou da conveniência política reacionária.
A única imigração justa será aquela onde ninguém precise fugir da fome ou da guerra para trabalhar em condições miseráveis. E isso exige algo que nem a AIMA, nem qualquer diretiva vinda de cima, poderá oferecer: uma transformação profunda da sociedade, uma nova política, economia e cultura, livre da opressão nacional contra as massas imigrantes, feita pelas próprias mãos dos que produzem tudo, mas nada possuem.